sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

MAIS CAVACO? NÃO, OBRIGADO.

Como a qualidade é muita, senti que devia partilhar com todos.


Bem sei que, para a generalidade da opinião pública, as eleições presidenciais são um não tema. Ainda poderiam ser um tema caso houvesse disputa eleitoral. Porém, como as “infalíveis” empresas de sondagens auguram um vencedor antecipado, não vale a pena perder tempo com as presidenciais. Será correcto?


É verdade que o actual Presidente da República tem sido uma figura ausente. Como é igualmente verdade que, apesar da crise, da pobreza, do desemprego, da pressão dos mercados, da dívida soberana, dos off-shores e do BPN, Cavaco tem-se sistematicamente remetido ao silêncio. Estarei a ser injusto? É que apesar de sucessivos silêncios, Cavaco convocou o Pais para dissertar sobre escutas…


O País está afastado destas eleições. É um facto. Porém, não se deve beneficiar o infractor. É que muita da ausência de atenção dispensada às eleições presidenciais resulta, também, do nosso barómetro ser o (não) mandato de Cavaco. E, apesar do mandato que ora finda ter sido uma mão cheia de nada, tal não implica que sempre assim seja…


1º - O PRESIDENTE DA REPÚBLICA É O CHEFE DE ESTADO, ou seja, aquele que, por direito, representa o Estado no plano internacional. Num momento como o que vivemos, em que Portugal se vê encurralado pela crise da dívida soberana, pelos mercados e pelas hesitações dos Países do centro da Europa, impunha-se um papel pró-activo do nosso Chefe de Estado: cooperação com o Governo, diplomacia activa, multiplicação de contactos externos, tomada de posições públicas, demonstração de confiança nos Portugueses. Num momento em que Portugal precisa de exportar, como de pão para a boca, impunha-se que Cavaco, como Chefe de Estado, sensibilizasse os Portugueses para a importância da competitividade; envolvesse os diversos agentes (empregadores, trabalhadores, associações, sindicatos) numa demanda comum; promovesse possibilidades de negócios e plataformas de interacção entre o tecido económico de diferentes Países (atenda-se ao esforço do Governo perante a China, Brasil, Líbia, México, entre tantos outros). Apesar de ter promovido (alguns) jantares de gala, Cavaco foi um Presidente só e legítimo representante da inércia.


2º - O PRESIDENTE DA REPÚBLICA TEM FUNÇÕES POLITICAMENTE CONFORMADORAS: entre outras funções, compete ao Presidente da República, nos termos da Constituição, “assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas.”


É do domínio público (e resulta, aliás, do senso comum) que, no momento actual, é difícil para qualquer Governo minoritário responder aos desafios que se lhe colocam. Gomes Canotilho, em recente entrevista ao Expresso, declarou o seguinte: o Presidente da República pode optar por “refrescar a legitimação para encontrar um outro arranjo parlamentar, capaz de dar sustentabilidade a um Governo mais forte”. O Expresso reduziu esta expressão à possibilidade de o Presidente poder demitir o Governo. Salvo o devido respeito, entendo que a expressão pode ter não só esse significado, como igualmente um outro: o Presidente da República pode, em qualquer momento, ser o impulsionador de “um outro arranjo parlamentar”, mesmo que com um Governo maioritariamente PS.


Creio, aliás, que esse é que deveria ter sido o objectivo promovido, ab initio, pelo Presidente da República: perante o espectro de graves dificuldades (europeias e nacionais), Cavaco, enquanto Chefe de Estado, deveria ter promovido, antes da formação do novo executivo, condições sérias para a formação de um Governo com amplo apoio parlamentar (e, dessa forma, capaz “de dar sustentabilidade a um Governo mais forte”). Cavaco, ao invés de ser um Presidente politicamente conformador, foi sempre um Presidente politicamente conformado.


3º - O PRESIDENTE DA REPÚBLICA TEM O DIREITO DE VETO, NOMEADAMENTE DE VETO POLÍTICO. Cavaco manifestou-se contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas promulgou o diploma. Cavaco diz que a Lei do financiamento partidário “potencia o risco” de dinheiro sem controlo, mas promulga a Lei. Cavaco levanta dúvidas, suspeições, ou afirma a sua discordância, mas não retira consequências. Cavaco diz, mas dentro dos poderes que lhe assistem, não faz.


Cavaco protagonizou, durante cinco anos, uma mão cheia de nada. Agora, sebastianicamente, anuncia uma magistratura activa. O que significa? Mais cinco anos de vazio? Ou, bem pelo contrário, a vontade súbita de governar e ser Chefe de Governo? Se é esse o seu desejo, candidata-se ao lugar errado. Mais Cavaco? Não, obrigado.

Artigo publicado no Diário de Viseu, Por Fernando Gonçalves.

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